quinta-feira, 15 de abril de 2010

O Medo - Flavio de Carvalho

O MEDO

O silêncio, a solidão e a ausência de movimento de um Mundo Parado, formam a grande tragédia que conduz ao medo. A passividade pertence a um Mundo Parado e é um convite à agressão e ao movimento. A passividade é um estado receptor apropriado ao medo. A ação demonstra uma ausência de medo e é pela ação que o medo é vencido.

A criança que se inicia no ciclo da vida quer ver movimento. A solidão de um Mundo Parado é para ela apavorante.O som grave monotonal prolongado é severo e provoca o receio e equivale ao grande silêncio. O som agudo e polifônico está ligado à alegria e ao movimento. A criança reage com medo, tanto ao som grave como com a suspensão de apoio corporal.

O homem perdido na solidão emite gritos a fim de vencer o silêncio e exibe movimentos desordenados e correria vertiginosa para fugir ao silêncio e à solidão, com os gritos agudos tenta ser alegre. O seu grande olhar parado e estatelado em Nirvana não é perpétuo, a explosão de movimentos é repentina e ao que parece surge como última defesa para a sobrevivência. A sonolência proveniente da incapacidade de resolver uma situação e o consequente sono profundo, um abando ao medo, se apresentam como defesas reparadoras das inferioridades que se apoderam do organismo. O homem acorda novamente para o mundo a fim de tentar de novo.

Deus é um ser hipotético que impõe melancolia aos homens, o que por conseguinte implica em ausência de movimento: paralisia, solidão, isolamento e medo. Impõe precisamente aquilo que os animais ferozes impunham ao homem: o medo, a paralisia, o isolamento. O medo que o homem tem do Deus é oriundo do medo que ele tinha dos animais ferozes que enfrentava e dos quais se alimentava. Pelo medo, Deus se associa aos animais ferozes e é o igual dos animais ferozes.

Este medo dos animais ferozes explica o motivo pelo qual os primeiros deuses eram animais. O deus-animal era adorado porque impunha terror e a adoração visava magicamente apaziguar o deus-animal: era um ato de submissão do homem ao animal. Essa adoração do animal e ao deus-animal é oriunda do medo e sem dúvida uma demonstração da origem animal de Deus.

Solidão varia inversamente com Movimento. Um aumento no movimento diminui a solidão. As forças em movimento são agressivas provocam receios e consequentemente medo ao indivíduo parado. O indivíduo parado está sujeito a ser afetado por forças em movimento. Um estado de coisas que produz medo no indivíduo parado. Portanto o medo é uma função do movimento do indivíduo e o indivíduo em movimento é uma entidade agressiva, portanto sem medo.

Duas equações se apresentam: a paralisação de todo o movimento ligado ao indivíduo é igual ao medo gerado pela solidão e pela insegurança oriunda do espetáculo de exuberância de movimentos. Insegurança varia diretamente tanto com Solidão como com Movimento.

A aquisição do Medo é um produto do abandono de todas as possibilidades de élan vital. O sentimento de inferioridade e sua exibição motora são consequências do Medo.

Tanto a superatividade como a ausência de movimento, manisfestações motoras do Medo, são encontradas nos primórdios da evolução do homem. Contudo com frequência, aparecem como moléstias mentais quando, na realidade, tudo indica que são expressões sociais e legais. Não sendo moléstias, quando muito podem ser classificadas como refúgios no passado para satisfazer aos momentos de insegurança. (…)

Trecho do livro “A Origem Animal de Deus”de Flavio de Carvalho.

sábado, 10 de abril de 2010

Trabalho de fonte

Ao criar novos trabalhos você trabalha a partir de uma fonte, seja ela uma pergunta, uma imagem, um evento histórico, etc. Ao trabalhar uma peça, você também encontra uma fonte. A peça torna-se a sua fonte, e ela, em si mesma, contém outras.

Trabalho de Fonte é o nome dado a uma série de atividades realizadas no início do processo de ensaio com o objetivo de entrar em contato (tanto intelectualmente como emocionalmente, tanto individualmente como coletivamente) com a fonte da qual você está trabalhando. É o tempo ocupado (antes que você comece a ensaiar qualquer coisa que a platéia possa de fato testemunhar no palco) para entrar de corpo e alma no universo, nas questões, no coração do seu material. O Trabalho de Fonte pode incluir, mas não é limitado ao trabalho feito no treinamento de Viewpoints e Composição.

O Trabalho de Fonte pode assumir muitas formas. Pode incluir apresentações ou relatórios fornecidos por atores com base em assuntos especificados, aprendizado de danças de época, construção de uma instalação artística de grupo e, é claro, Composição. Trabalho de Fonte pode ser qualquer coisa concebida pela imaginação desde que leve a companhia para mais perto do material e do investimento feito nele.

O Trabalho de Fonte abre a possibilidade de comunicação invisível e silenciosa. O Trabalho de Fonte é uma forma de acender um fogo de maneira tal que todos possam compartilhar dele. Não tem nada a ver com encenação. Tampouco sobre a definição do produto final. É sobre dedicar tempo no início do processo (às vezes apenas um dia ou dois, às vezes um mês ou mais) para acordar a pergunta que está dentro da peça de uma forma verdadeira e pessoal para todos os envolvidos.

O Trabalho de Fonte pede à companhia inteira para se envolver de corpo e alma no processo, em vez de assumir um papel prescrito ou passivo no processo. Ele pede a cada pessoa que contribua, que crie e que cuide, em vez de esperar para ouvir do que se trata a peça ou sobre qual deve ser seu posicionamento em cena.

Um diretor freqüentemente realiza um Trabalho de Fonte por sua própria conta antes dos ensaios iniciarem. Anne lê toneladas de livros e ouve dúzias de novos CDs. Tina recorta fotografias e as fixa nas paredes em sua volta. Outros diretores talvez façam uma visita à biblioteca, façam excursões de pesquisa, falem com pessoas, conduzam qualquer tipo de pesquisa ou preparação que possam aumentar as informações sobre o trabalho. Então, quando um diretor chega ao ensaio no primeiro dia, ele freqüentemente está semanas ou meses à frente do resto da companhia em sua obsessão pelo material. O Trabalho de Fonte é usado para prover tempo e espaço que todos os colaboradores devem preencher com seu próprio conhecimento, interesses, sonhos e reações ao material. Pense nisso desta forma: o diretor pegou uma doença, e de alguma forma nesses momentos iniciais e críticos do processo, ele precisa fazer com que a doença torne-se contagiosa. O Trabalho de Fonte espalha a doença. O Trabalho de Fonte é um convite à obsessão.

A fonte é qualquer coisa que seja a origem para o trabalho em mãos. O Trabalho de Fonte é entrar em contato com este impulso original por trás do trabalho, assim como o trabalho em si, por exemplo, o texto, sua relevância, sua época, seu autor, ou o mundo físico e áureo da produção. A fonte de uma peça de teatro pode ser tão intangível quanto uma sensação ou tão concreta quanto um clipping de jornal ou objeto encontrado. O teatro pode ser concebido tendo qualquer coisa como sua fonte. O Trabalho de Fonte é o tempo que colocamos de lado para beber da fonte, para responder a ela como um grupo, e para causar e identificar uma química explosiva entre ela e nós.

Trabalho de Fonte (Source Work), by Anne Bogart e Tina Landau

(traduzido do Capítulo 13 - Composição ao ensaiar uma peça, do livro O Livro dos Viewpoints, de Anne Bogart e Tina Landau. Theatre Communications Group, Nova York, 2005. Páginas 163 a 165.)



A vulnerabilidade

"Estas coisas que digo, que vou dizer, se puder, já não são, ou ainda não são, ou nunca foram, ou nunca serão ou, se forem, não foram aqui, não são aqui, não serão aqui, mas noutro lugar qualquer."

Samuel Beckett no livro O Inominável

terça-feira, 30 de março de 2010

Sobre o Amor

Eu não acho que ninguém pode viver sem alguma forma de filosofia. O que é filosofia? Filos vem do grego e quer dizer amor, amizade, são sinônimos. Sofia quer dizer o estudo de algo. Para mim Filosofia é o estudo do amor e ter uma filosofia é saber como amar e saber onde colocar isso, o que fazer com isso. O que as pessoas precisam é uma filosofia, uma forma de como e onde amar para se poder viver com algum grau de paz. E as pessoas vivem no meio da raiva, hostilidade, com problemas, falta de dinheiro e grandes frustrações. Então acho que o se precisa é de uma filosofia, encontrar como e onde eu posso amar. Como eu posso amar para poder viver. E eu acho que todos os filmes que eu fiz de alguma maneira procuram encontrar uma forma de filosofia para os personagens do filme. É por isso que eu preciso que os personagens analisem o amor, discutam o amor, matem o amor, destruam o amor, machuquem-se uns aos outros. Façam todas essas coisas nessa guerra, nessas vidas. Isso é a vida. O resto não me interessa, pode interessar a outras pessoas. Eu só tenho um foco na vida, só uma coisa me interessa: o Amor.

John Cassavetes
entrevista que eu traduzi e pode ser vista na integra: http://www.youtube.com/watch?v=gSZVYOgKIwE

sexta-feira, 26 de março de 2010

Na prancha, caminha



O que vê quem está a bordo?
O horizonte ao redor.
A claustrofobia do sem-fim.
Ou do incalculável.
Do in-co-men-su-rá-vel.
Do i-na-bar-cá-vel.
Caminhar na prancha rumo a quê?
A si, ao fundo, ao mar.
Quem caminha na prancha,
Caminha para se salvar.
Caminha antes rumo ao ar.