O MEDO
O silêncio, a solidão e a ausência de movimento de um Mundo Parado, formam a grande tragédia que conduz ao medo. A passividade pertence a um Mundo Parado e é um convite à agressão e ao movimento. A passividade é um estado receptor apropriado ao medo. A ação demonstra uma ausência de medo e é pela ação que o medo é vencido.
A criança que se inicia no ciclo da vida quer ver movimento. A solidão de um Mundo Parado é para ela apavorante.O som grave monotonal prolongado é severo e provoca o receio e equivale ao grande silêncio. O som agudo e polifônico está ligado à alegria e ao movimento. A criança reage com medo, tanto ao som grave como com a suspensão de apoio corporal.
O homem perdido na solidão emite gritos a fim de vencer o silêncio e exibe movimentos desordenados e correria vertiginosa para fugir ao silêncio e à solidão, com os gritos agudos tenta ser alegre. O seu grande olhar parado e estatelado em Nirvana não é perpétuo, a explosão de movimentos é repentina e ao que parece surge como última defesa para a sobrevivência. A sonolência proveniente da incapacidade de resolver uma situação e o consequente sono profundo, um abando ao medo, se apresentam como defesas reparadoras das inferioridades que se apoderam do organismo. O homem acorda novamente para o mundo a fim de tentar de novo.
Deus é um ser hipotético que impõe melancolia aos homens, o que por conseguinte implica em ausência de movimento: paralisia, solidão, isolamento e medo. Impõe precisamente aquilo que os animais ferozes impunham ao homem: o medo, a paralisia, o isolamento. O medo que o homem tem do Deus é oriundo do medo que ele tinha dos animais ferozes que enfrentava e dos quais se alimentava. Pelo medo, Deus se associa aos animais ferozes e é o igual dos animais ferozes.
Este medo dos animais ferozes explica o motivo pelo qual os primeiros deuses eram animais. O deus-animal era adorado porque impunha terror e a adoração visava magicamente apaziguar o deus-animal: era um ato de submissão do homem ao animal. Essa adoração do animal e ao deus-animal é oriunda do medo e sem dúvida uma demonstração da origem animal de Deus.
Solidão varia inversamente com Movimento. Um aumento no movimento diminui a solidão. As forças em movimento são agressivas provocam receios e consequentemente medo ao indivíduo parado. O indivíduo parado está sujeito a ser afetado por forças em movimento. Um estado de coisas que produz medo no indivíduo parado. Portanto o medo é uma função do movimento do indivíduo e o indivíduo em movimento é uma entidade agressiva, portanto sem medo.
Duas equações se apresentam: a paralisação de todo o movimento ligado ao indivíduo é igual ao medo gerado pela solidão e pela insegurança oriunda do espetáculo de exuberância de movimentos. Insegurança varia diretamente tanto com Solidão como com Movimento.
A aquisição do Medo é um produto do abandono de todas as possibilidades de élan vital. O sentimento de inferioridade e sua exibição motora são consequências do Medo.
Tanto a superatividade como a ausência de movimento, manisfestações motoras do Medo, são encontradas nos primórdios da evolução do homem. Contudo com frequência, aparecem como moléstias mentais quando, na realidade, tudo indica que são expressões sociais e legais. Não sendo moléstias, quando muito podem ser classificadas como refúgios no passado para satisfazer aos momentos de insegurança. (…)
Trecho do livro “A Origem Animal de Deus”de Flavio de Carvalho.